Como na antiga Grécia,
O Nordeste também tinha
Os seus deuses mitológicos -
Deus da chuva, deus da vinha,
Do verão, da primavera,
Mas, o mais famoso era
Cafuné - deus da morrinha.
Filho de uma caipora
Com uma lama de gato.
Ombros largos, braços longos,
Perna curta, do pé chato.
Vivia pela caatinga
Mascando e bebendo pinga
E caçando peba no mato.
Mas, quando um dia, ele soube
Que Hércules tinha partado
Toda a África da Europa,
Disse meio enciumado:
- "Eu vou mostrar a Teseu,
O gás que eu tenho guardado".
BOtou três quilos de fumo
No bolso do seu calção,
Lavou os pés num barreiro
E disse olhando o verão:
- "Eu vou para Minas Gerais
Mostrar o que um deus faz
Com uma enxada na mão".
Andou em Minas Gerais -
Norte, sul, leste e oeste.
Furou aqui e ali
E disse depois do teste:
- "Aqui tem água pra dar,
Para estruir e matar
A sede do meu Nordeste.
Se eu conseguir levar
Daqui para o Maranhão
Um rio de ágoa doce,
Rasgando a cara no chão
Sem deixar nenhuma ilha
Vai ser maravilha
Para o povo do sertão.
Foi na Serra da Canastra,
Se abaixou, deu um risco,
Depois fez uma enxada
Da pedra de um corisco,
Tomou uma pra esquentar
E começou a cavar
O leito do São Francisco.
Na primeira enxada
A terra toda tremeu,
A lua mudou de canto,
O sol, com medo desceu,
O nambu perdeu um dedo,
O tetéu depois do medo
Nunca mais adormeceu.
O pavão perdeu a voz,
O macaco ficou pabo,
O papagaio falou,
O guaxinim ficou brabo,
A preguiça deu o prego,
O morcego ficou cego
E o preá perdeu o rabo.
Voou uma pedra enorme
Na direção da Polônia,
Pegou na Torre de Pizza,
Desviou pra Macedônia,
Rodando como um pneu,
Só o vento suspendeu
O jardim da Babilônia.
Passou por cima do Ártico,
Deixou a água mais fria,
A noite ficou mais longa
Reduziu a luz do ida,
Da África passou de lado
Deixando o facho empenado do Farol de Alexandria.
Bateu no túmulo de Máusolo,
Rodou e pegou efeito...
Entre o Japão e a China,
Passou tão veloz dum jeito
Que, até hoje, os japoneses
E nunca mais os chineses
Abriram os olhos direito.
Passou por cima de Roma
Deixando o seu povo aflito.
Caiu no norte da África,
Num lugar muito esquisito.
Deram vários riscos nela,
Depois fizeram com ela
As Pirâmides do Egito.
E a enxada subindo,
Descendo e cortando o chão.
Foi, não foi, subia um pau
Rodando como um pião.
Tinha desse que passava, Todo planeta e Chegava
Num minuto no Japão.
Voou um pé de jurema
Por cima da Argentina,
Passou pelo oriente
Arregaçando a campina.
Como se fosse um tufão,
Quase que bota no chão
Toda a muralha da China.
Pelo Colosso de Rodes
Passou por cima tremendo,
Atravessou a Turquia
Soprando o chão e varrendo,
Só o templo de Diana
Passou mais de uma semana
Se balançando e gemendo.
...
Logo correu a notícia
Circulando a região
Que tinha um deus nordestino
Com uma enxada na mão
Com fé, amor e carinho,
Cavando um rio sozinho
De Minas pro Maranhão.
...
Deus da seca gritou alto:
- "Perto dali eu não chego.
Se eu ajudar a cavar,
Vou perder o meu emprego.
E além disso, eu sou sem fé...
Que se vire Cafuné
Pra dar uma de deus grego.
Era Cafuné na frente
Com a enxada na mão,
Os braços feito um moinho
Rodando e Cavando o chão
E a água atrás correndo
Como uma cobra lambendo
O fundo do seu calção.
...
E continuou cavando
Doze anos sem parar.
Mas, cansado como estava,
Cavava tão devagar
Que às vezes passava um mês,
Quatro, cinco e até seis
Cavando o mesmo lugar.
...
Quarenta anos depois,
Cansado, velho e caduco,
Se arrastando feito cobra,
Cavando como um maluco,
Não chegou ao Maranhão,
Morreu cavando com a mão
O sertão do Pernambuco.
...
Vamos salvar o Nordeste,
Irrigar milha por milha,
Afogar no São Francisco
A fome que nos humilha.
Vamos banir essa peste,
Concluindo no Nordeste
A oitava maravilha.
(Antônio Francisco)